Rio tem operação policial mais letal da história
Fonte: Valor Econômico
Uma megaoperação policial realizada nesta terça-feira (28) e que contou com
2,5 mil agentes para cumprir cem mandados de prisão contra integrantes da
facção criminosa Comando Vermelho (CV) no Complexo do Alemão, na zona
norte do Rio, deixou um rastro de 64 mortes - sendo quatro policiais -, e trouxe
um dia de caos para a cidade. Vias expressas foram bloqueadas por criminosos,
lojas fecharam as portas mais cedo e escolas cancelaram aulas. Batizada de
“Contenção”, a ação policial de ontem se transformou na mais letal da história
da polícia fluminense, superando a de 2021, que matou 28 pessoas no
Jacarezinho, também na zona norte.
A operação policial, criticada por especialistas, acabou politizada quando o
governador do Rio, Cláudio Castro (PL), disse que o Estado está sozinho na
luta contra o crime organizado e que o governo federal recusou por três vezes,
em ocasiões anteriores, o envio de blindados para auxiliar em ações da polícia.
Desta vez, porém, nas palavras de Castro, não houve pedido de ajuda ao
Planalto com equipamentos.
À tarde, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, confirmou que não houve
pedido de apoio para a operação de ontem e rebateu argumentos do
governador. Chegou a dizer que pedidos de Castro para transferir presos para
presídios federais foram acatados este ano.
Além dos mortos, a operação, levou a 81 prisões e à apreensão de 93 fuzis. A
ação mostrou que o Estado não conseguiu conter a reação dos criminosos.
Imagens mostraram o uso de drones para jogar bombas nas forças policiais.
Em diversos bairros das zonas norte, oeste e sudoeste, ônibus sequestrados
foram atravessados em vias importantes, paralisando o trânsito. O Sindicato das
Empresas de Ônibus da Cidade do Rio (Rio Ônibus) informou que 71 ônibus
foram utilizados como barricadas e 204 linhas sofreram impacto.
Ruas importantes foram bloqueadas temporariamente. Na zona norte, ônibus
ou caminhões foram atravessados na pista de vias em bairros como Méier,
Tijuca, Grajaú e Vila Isabel, entre outros. Escolas encerraram as aulas mais
cedo. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal Fluminense (UFF)
cancelaram as atividades.
Na entrevista coletiva na manhã de ontem, Castro disparou críticas. O
governador afirmou que o governo federal teria uma “política de não ceder”
ajuda, quando pedida pelo governo fluminense em momentos de crise de
segurança pública. “As forças de segurança do Rio de Janeiro estão sozinhas.”
Castro disse ainda que o trabalho de integração entre os governos estadual e
federal deveria ser realidade e acrescentou que “nesse momento não está
acontecendo”. Prosseguiu: “O Rio está sozinho nessa guerra e aí é muito fácil
criticar as forças estaduais, criticar o governador, quando o Estado está, talvez
sim, excedendo as suas competências”, completou. “Nós já pedimos os
blindados [para forças federais] algumas vezes e todos foram negados.”
O governador justificou o fato de não ter pedido ajuda desta vez porque em
ocasiões anteriores o governo federal teria negado ajuda com o argumento de
que seria preciso instaurar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), medida legal
que autoriza a ação ostensiva das Forças Armadas nos Estados. À tarde, Castro
telefonou para a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi
Hoffmann, e justificou as críticas dizendo que somente havia respondido
perguntas de jornalistas sobre o episódio.
Ainda pela manhã, Castro disse que a operação “Contenção” foi planejada para
cumprir mandados judiciais contra criminosos suspeitos de tráfico. E ressaltou
que a decisão de retomar áreas dominadas por facções criminosas encontra
respaldo na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que levou o Estado a
apresentar um plano de reocupação territorial de áreas conflagradas.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), possível postulante ao Palácio
Guanabara na eleição do ano que vem, afirmou que a cidade não pode ficar
refém de grupos criminosos. “Isso é inaceitável”, disse. Paes divulgou vídeo no
qual afirma: “Eu quero repetir aqui. Compete ao poder público,
independentemente do nível do governo, a tarefa de ser implacável contra esses
grupos criminosos que buscam amedrontar a população trabalhadora. Assim, a
prefeitura, naquilo que lhe compete, vai continuar agindo nessa crise, com
autoridade, com comando e com firmeza”.
Para especialistas consultados pelo Valor, o resultado da Operação Contenção
mostra a ineficiência das ações deste tipo no combate às facções criminosas.
“Essas operações são ocasionais e temporárias, portanto, elas não vão atuar de
forma mais estrutural na questão do controle territorial armado. Para enfrentar
essa questão, tem que atuar sobre as bases econômicas e políticas desses
grupos”, diz Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos
Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF).
Segundo ele, a ação policial de ontem é um “museu de velhas novidades” no
Estado do Rio, que, na visão de Hirata, continua a atuar de forma “muito
precária e pouco eficiente” com relação à atuação desses criminosos.
Levantamento feito pelo Geni/UFF aponta que a ação policial de ontem foi
não apenas a que teve o maior número absoluto de mortos, mas também aquela
com o maior número de óbitos de policiais. Até então, a ação no Jacarezinho,
em 2021, havia matado 27 civis e um policial, enquanto a segunda maior,
também no bairro da Penha, onde fica o Alemão, causou a morte de 23 civis
em maio de 2022. Em termos de policiais mortos, o pior resultado havia sido
em janeiro de 2003, quando uma ação em Senador Camará, na zona norte,
matou 15 civis e dois policiais.
Murilo Cavalcanti, especialista em segurança pública, definiu a ação desta terçafeira
como uma “pirotecnia”. “Há 30 anos que fazem a mesma coisa. Quais os
resultados obtidos? Que diminuição houve de fuzis e metralhadoras nas mãos
de criminosos?”, afirmou.
Para ele, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, enviada
pelo governo ao Congresso, poderia ser um avanço, caso aprovada. “Mas falta
muito para o Brasil encontrar um caminho viável para enfrentar o narcotráfico,
as milícias e os grupos delinquentes armados. Se faz necessária a participação
dos prefeitos. Nenhuma medida isolada será suficiente para enfrentar o
problema”, diz.
Entregue ao Congresso em abril de 2025 por Lewandowski, a PEC da
Segurança Pública (nº 18/2025) propõe reformular o sistema nacional,
conferindo status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP), criado em 2018 por lei ordinária. Entre as inovações propostas, estão
a ampliação das atribuições da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal,
a inclusão das guardas municipais no rol dos órgãos de segurança pública e a
criação de corregedorias e ouvidorias autônomas.
Hirata destaca que a PEC da Segurança é uma medida que constitucionaliza o
SUSP e que seria “muito bem-vinda”. Mas pondera que a PEC é uma estrutura
de organização e padronização da atuação cooperativa dos entes federativos e
que seria necessário transformar esse arcabouço em políticas públicas efetivas.
“Nós precisamos ter políticas públicas que enfrentem os problemas nas suas
formas reais e que sejam diferentes de uma operação catastrófica como a de
hoje [ontem].”
O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio
de Lima, afirmou que a PEC de Segurança é passo fundamental para organizar
a atuação das forças de segurança. “A PEC vai fazer o mínimo, que é criar uma
regra de cooperação. Não vai resolver o problema do Rio amanhã, mas vai
permitir claramente dizer quando a Polícia Federal vai atuar”, disse. A medida,
diz Lima, é o ponto de partida, desde que seja implementada com regras claras
e salvaguardas apropriadas.
Jacqueline Muniz, professora de Segurança Pública da UFF, classificou o
resultado da operação como “lambança operacional”. Apontou falhas como
ausência de reconhecimento do terreno, despreparo tático e falta de
coordenação entre as forças. “Uma operação bem-sucedida é aquela que tem
baixa zero, não tem letalidade.”